10/12/2008

Seu papel na Era da Responsabilidade

Vicky Bloch*

No belo filme Não por Acaso (Philippe Barcinski, 2007), um homem é obcecado pela sinuca e acha que "na vida, como no jogo, tudo é questão de planejar e repetir jogadas". Outro personagem, engenheiro de trânsito, acredita que "controlar as emoções é tão possível quanto manejar congestionamentos". Até que um acidente trágico, envolvendo mulheres da vida de ambos, os obriga a rever suas crenças.

Numa cena marcante, do alto de um edifício, o engenheiro explica para sua filha como uma pane mecânica em um caminhão, no centro de São Paulo, vai causando reflexos nas ruas e bairros próximos. No fim do dia, ele ilustra, o motorista do caminhão já está em casa, mas o estrago que provocou ainda continua produzindo efeitos, agora lá no Piqueri, zona oeste da capital.

Recorro a essa história para provocar a reflexão dos nossos jovens jornalistas sobre duas teses ali presentes:
1 - Você pode (e deve) conduzir sua vida, e sua carreira, com planejamento e controle, mas esteja pronto para lidar com as mudanças inesperadas.
2 - Seus atos têm conseqüências além das que você pode imaginar a princípio.

Estamos vivendo a Era da Responsabilidade. Cada vez mais gente se convence a assumir uma conduta efetivamente responsável com sua saúde, com o outro, como cidadãos ou empresas, com o ambiente, com as finanças, as leis, o consumo ou a própria carreira. Nada disso deveria ser novo. Na teoria, o ser humano sempre soube qual é a relação entre causa e efeito. Mas passou séculos tentando superar os limites da sua natureza e de tudo que o rodeia.Devemos creditar a esse ímpeto todos os avanços da humanidade. Mas, nos últimos anos, tomamos consciência de que podemos (e devemos) evoluir de maneira sustentável.

O que isso significa em termos de comunicação? O papel do novo comunicador não difere do que terá o novo líder empresarial ou o novo cidadão. Ser responsável, certamente, não é limitar o desenvolvimento e a liberdade. É justamente promover o crescimento e a autonomia do indivíduo e da sociedade. E isso se faz com interesse genuíno em contribuir com o outro.

Há quem defenda "mais responsabilidade da imprensa", quando, na realidade, está querendo dizer "censura". Não é disso que estamos tratando, evidentemente. Da mesma forma, um executivo responsável não é aquele que paralisa ou acelera seus negócios calculando os possíveis ganhos ou perdas particulares, e, sim, o que tem coragem de rever os planos para atender os anseios e necessidades da maioria - acionistas, funcionários, comunidade e Estado.

Jornalistas sempre enfrentaram os limites impostos pelo poder constituído para nos garantir o direito à livre informação. Agora, quando se clama por responsabilidade em todas as áreas, a imprensa também precisa analisar o sentido mais amplo da palavra: responder completamente pelas conseqüências.

Não falo dos efeitos para seus próprios profissionais, que podem sofrer perseguições ou intimidações, quando desagradam a alguém que é notícia. Esses são ossos do ofício, até porque a função da imprensa não é agradar, mas reportar os fatos.

No entanto, o que será cada vez mais exigido dos jornalistas, assim como vem sendo dos empresários, médicos e até de atletas e artistas, é que respondam pelos desdobramentos de seus atos sobre os indivíduos e a sociedade.

Em tempo: não estou tratando de penalidades criminais ou financeiras. Estou me referindo aos reflexos mais distantes da informação, como os efeitos retardados daquele incidente de trânsito.

Publicar uma manchete aparentemente banal, do tipo "Ovos fazem mal à saúde, diz estudo", certamente provoca um impacto, em ondas, sobre a vida de milhares de pessoas que cortarão esse item do cardápio. Tempos depois, anunciar que "Ovos não são mais os vilões, diz novo estudo" desencadeia outra série de reações.

Basear o noticiário somente no que divulgam os especialistas do momento é até legítimo, mas é muito pouco atualmente. Esse mesmo raciocínio poderia ser utilizado por fabricantes de bebidas e cigarros: a responsabilidade é de quem compra o produto (ou a informação). Porém, a responsabilidade agora é também de quem fornece. "Fumar é prejudicial à saúde", "Beba com moderação", etc.

Os veículos de comunicação sempre viveram espremidos entre os prazos de fechamento e a apuração dos fatos. Ocorre que a velocidade e a quantidade de informações só aumentam e a qualidade nem sempre acompanha esse ritmo. E a concorrência entre as novas e tradicionais mídias também cresce. O resultado dessa equação é mais pressão: ou publica ou perde o público.

Será esse um dilema verdadeiro? Será que não há um público cada vez maior interessado em ler ou assistir, talvez não em primeiro lugar, a uma reportagem mais sólida? Na falta de uma informação conclusiva, por que não deixar claro, de forma transparente e destacada, que uma notícia é meramente parcial? Será essa uma desvantagem ou uma vantagem para os meios de comunicação?

A Era da Responsabilidade também coloca sob maior vigilância a credibilidade do jornalista. E esta, você sabe, é o seu principal patrimônio.

Portanto, neste momento em que você ingressa no mercado com uma ótima formação, lembre-se: conduza sua carreira segundo os seus valores; prepare-se para mudanças inesperadas e avalie as conseqüências dos seus atos.

*Vicky Bloch é psicóloga, consultora de carreiras e professora dos cursos de extensão da FGV-SP e FIA. Desde 1991, participa anualmente, como palestrante, do Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado de O Estado de S. Paulo

Jornal OESP, 06/12/2008, Caderno Especial Focas, página 2

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